Resenha: La Dispute em Curitiba!


La Dispute: chuva, cigarros e lágrimas

Anunciada a turnê, ainda lá em Julho, eu já sabia que me faria presente - afinal, a primeira vez que o La Dispute cola no Brasil, ainda mais tão cedo, seria, de qualquer forma, imperdível. Passei meses me prometendo que ia para comprar o ingresso poucas semanas antes da fatídica data, 22 de novembro. Eu ia pra Curitiba, ainda não sabia como. Combinei com o Tom, que iria de Foz do Iguaçu, para nos trombarmos no dia e assim se deu.

Aportei na chuvosa Curitiba pelas 18h, depois do ônibus que saiu pelas 13h da ensolarada Florianópolis ter pegado uma fila torturante em São José dos Pinhais. A setlist dos shows anteriores embalava meus fones, e consegui ouvir as quinze músicas já previamente confirmadas quatro vezes - isso porque uma delas seria tocada unicamente no show de mais tarde, assim como nos outros da turnê brasileira, e eu não fazia ideia de qual. Encontrei Tom e seu outro amigo de Foz na Rodoviária. Lá, esperamos um terceiro cidadão, morador de Curitiba, aparecer; deixaríamos nossas coisas em seu apartamento.

Bom, depois de matar um certo tempo ali pelo tal apartamento na Alferes Poli, precisaríamos tomar o rumo do John Bull. Pegamos um ônibus que pararia na frente de lá, e dito e feito: cerca de 20h estávamos descendo no ponto de ônibus, ainda sob forte chuva. Fomos andando até o pub e ficamos na frente, trocando uma ideia, fumando uns cigarros e esperando a banda de abertura, Betterman, finalizar seu show. Não bastasse, ainda presenciamos os membros do La Dispute desembarcarem da van na nossa frente, e sem nenhum tipo de cerimônia nos cumprimentarem com a cabeça e entrarem pelo portão de acesso comum.

Adentramos. Betterman estava na última música, e enquanto pedíamos uma Heineken, deu tempo de aplaudir o show deles que não vimos - no entanto, foi sincero; música DIY hoje em dia há de ser aplaudida por todos. Logo que desceram do palco e se perderam na pequena multidão de aproximadamente 150 pessoas que pisavam no tablado de madeira da pista do John Bull, os membros da banda do Michigan subiram para arrumar os instrumentos, ali, naquele palco que deveria ter uns míseros 60 centímetros de altura, com toda a iluminação não deixando esconder a humildade. Eram gente como a gente. A plateia, diferentemente da “fangirlização” que ocorre em muitas cenas, não ficou histérica em vê-los ali - pelo contrário, continuou conversando e bebendo tranquilamente -. Éramos todos amigos.

Eis que começou. O riff inicial tímido de "A Departure" não impediu com que Jordan Dreyer, frontman e co-fundador da banda (dos membros atuais, somente o baterista Brad Vander Lugt permanece desde a fundação) começasse uma dança solitária em meio àquele clima intimista que pairava. Quando tudo começou a ficar mais rápido, rodopios, corridas e aproximações da plateia permearam o monólogo que abre, além do show, também seu segundo álbum, Wildlife. Sem deixar o clima morrer, a banda logo emenda, sem mais delongas, um dos singles do terceiro álbum, Rooms of The House, lançado em 2014: For Mayor In Splitsville. Um pouco mais de peso além da faixa de abertura, cheia de referências nas letras, mas que nada mais é que um maravilhoso breakup song. No fim, Jordan garante que prefere concorrer a prefeito em Splitsville (algo como “a vila da separação”) que sofrer com as mentiras de novo. Pontual.

A vibe já era outra. Todos cansados, cantando apaixonados e fazendo parecer que aquelas 150 vozes eram 1500. Mas o La Dispute reservava, para a terceira faixa do show, aquela que conta uma história de assassinato e que ganhou o coração dos fãs da banda desde seu lançamento, no Wildlife, em 2011. "King Park" entrou como uma pedrada em lírica, com Jordan sendo abraçado, oferecendo o microfone, demonstrando uma presença de palco maravilhosa que compensa sua - em teoria - falta de técnica vocal. Ao longo dos sete minutos de música, muitas almas foram lavadas e encharcadas de emoção naquele pequeno pub. Ao fim, com Jordan Dreyer praticamente debruçado sobre os fãs cantando o famoso refrão “can i still get into heaven if i kill myself?” a plenos pulmões, em atitude igualada pelos que estavam ali, elevou tudo ao ápice da noite, até então. Depois de tudo isso passado, comigo já encharcado de suor, foi que a banda deu seu “boa noite” num português arranhado. Falaram pouco, como sempre. Mas não foi nem um pouco necessário.

Falavam pelas letras. "Scenes From The Highways" veio para deixar o clima um pouco menos instável, mas logo em seguida uma nova pedrada entrou em cena: I See Everything. Com suas constantes quebras climáticas, de música gritada à balada, "I See..."'explora o lado emocional com unhas e dentes, num momento em que Jordan se deixa levar pela letra que escreveu e canta com os olhos totalmente fechados o discurso que finaliza a música. É a vez, então, da baladinha "Woman (In Mirror)" embalar os corações apaixonados numa análise fria mas bela das relações humanas, com sua repetida frase “all the motions of ordinary love” sendo bradada apaixonadamente ao fim do som. Era a hora de secar as almas lavadas pouco antes.

Durou pouco, no entanto. Logo em seguida, "Hudsonville, Mi, 1956", entrou para fazer todos cantarem durante a introdução - que é a melhor já feita pela banda. Depois, quando os instrumentos entram, era a hora de stage dive, de mosh pit, de se deixar levar. Tudo isso enquanto se canta a letra que inspirou o nome do álbum, Rooms Of The House, e que conta a história dos avós de Jordan, que tiveram que enfrentar um tornado que passou pela cidade de Hudsonville em 1956. Passada a música, o vocalista reclamou dos (poucos, é verdade) que ficavam gravando e/ou tirando fotos o show todo, e pediu para que mantivessem os celulares no bolso, pois, segundo ele “quando você passa o tempo todo olhando para a tela de um celular, você perde a real experiência”, gesticulando ao seu redor. Mais uma vez, pontual.

"35" entrou e, pela primeira vez, o setlist falhou. Com um público parado e pouco atuante, essa, que liricamente falando é uma das músicas-chave do último álbum, não conseguiu emplacar no show, o que, de certa forma, era esperado. Isso foi corrigido depois com "Edward Benz, 27 times", que conta a história de um garoto esquizofrênico que parou de tomar seus remédios e esfaqueou seu pai, Edward Benz, por 27 vezes. História real, garante a banda, como diversas outras letras que seguem a mesma linha. Com o público novamente no clima, a densa "The Child We Lost 1963" veio para manter banda e galera na mesma vibe. Na tradicional pausa pós as músicas, foram gritados inúmeros pedidos de músicas para o setlist: “Last Lost Continent!”, “Andria!” e afins inundaram tanto o pub que precisou de uma resposta - um tanto quanto sincera - de Jordan, que disse algo como “não ensaiamos essa antes da turnê, mas ensaiamos outras e esperamos que vocês gostem delas”. Ok, Jordan. Tudo em casa.

Seguindo o já conhecido setlist, "First Reactions After Falling Through The Ice" foi cantada de maneira rápida pela banda e não embalou. No entanto, logo depois viria a tão esperada "The Most Beautiful Bitter Fruit", que reuniu várias cabeças frente ao palco cantando com Dreyer, que largava o microfone na direção da plateia e se deixava levar pelas mãos que o tocavam. A atmosfera envolvida nesse som era inigualável. Trouxe tudo que "King Park" buscou, lá no começo, de volta. Um momento para descanso, e para o encabulado vocalista falar pela terceira vez no show. Ele contou os mais variados problemas que a banda teve e o quanto estavam felizes de estarem ali; de problemas de passaporte a voos cancelados e acidentes do motorista da van. “Maybe we’re cursed”, disse Jordan, e arrancou algumas poucas risadas do público, que logo em seguida aplaudiu.

Duas músicas do primeiro álbum (Somewhere At The Bottom Of The River Between Vega And Altair - ufa!) foram, enfim, tocadas. "Sad Prayers For Guilty Bodies" veio antes, com todo seu caráter emocional, contando a história de um adultério. Sim, o La Dispute tem uma certa inquietação com relações amorosas, e explora o lado problemático delas sem nenhum pudor em suas letras. Depois, foi a vez de "Fall Down, Never Back Up Again", que traz a história a partir da visão do narrador do poema Annabel Lee, de Edgar Allan Poe. Fechando o setlist pré-encore, uma nova balada: Woman (Reading). Dona do clipe mais recente lançado pela banda, a música, linear e sem refrão, com a letra que desconstrói a parte boa de um relacionamento trazida à tona anteriormente com "Woman (In Mirror)", fez com que a galera cantasse, mas sem o mesmo entusiasmo visto em outras músicas anteriores. Saíram. Sabíamos que voltariam.

Passou pouco tempo até que retornassem. Mesmo com o retorno dos pedidos de "Last Lost Continent" e "Andria", Jordan somente fez sinal de que restavam duas a serem tocadas, e puxou a bela "You & I In Unison". A faixa que fecha Wildlife foi muito bem recebida pelo público, que cantou emocionado, no fim da letra, a frase que se repete: “and until i die, i will sing our names in unison”. Para fechar, todos já sabiam qual som viria, o que não deixava ninguém menos ansioso. "Said The King To The River", aquela que é considerada a música mais ‘pesada’ da carreira da banda, já inicia como uma pedrada, e fez com que todos se conglomerassem em frente à grade para tentar filar um momento de microfone - ou um pedaço do corpo do vocalista. “I’ve given in, if love is a bridge, we built it wrong” foi repetida até pelo mais apaixonado dos casais ali presentes. O pessimismo amoroso do La Dispute não importa frente ao espetáculo que o show deles proporciona. Tudo se encerrou ali. Discretamente, sem nenhum alarde, como quem não busca ser o centro das atenções. O tímido Jordan Dreyer deu um igualmente tímido tchau e ficou por isso.

Realizados e de alma lavada, retornamos sob a chuva para onde havíamos deixado nossa mochila. Me despedi do pessoal ainda na madrugada de segunda, poucas horas pós show, onde pegaria o ônibus de retorno a Florianópolis a 1h40. Caindo de sono, não tardei a dormir no banco do busão. Chegando em Floripa, fui diretamente trabalhar, mas ainda em estado de êxtase proporcionado por aquela que não é minha banda favorita em si, mas certamente entra no rol de um dos melhores shows que já tive o prazer de presenciar. La Dispute, depois desse domingo, com certeza ocupa um lugar mais especial no meu coração.

 - Matheus Pereira
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